Com orientações, CBF só reforça o autoritarismo e inibe o árbitro de pensar sozinho

Os surtos de autoritarismo da arbitragem brasileira estavam insuportáveis. Todos reclamaram da tolerância zero às reclamações que está sendo imposta desde o Brasileirão do ano passado. Diante disso, o que faz a CBF? Reforça o autoritarismo.

Em uma nota oficial, a entidade anunciou ao público os itens de um pacote de orientações que os árbitros receberam e que deve ser seguido já nos jogos deste final de semana. Torna a situação ainda pior para todo mundo porque agora, em vez do genérico “reclamações acintosas”, lista situações específicas que não podem ser aceitas, “em hipótese alguma”:

1 – Rodinhas de jogadores reclamando.
2 – Dedo em riste.
3 – Gritaria no ouvido.
4 – Jogador pedindo cartão para o adversário.
5 – Simulação.
6 – Treinador gesticulando para jogar a torcida contra a arbitragem.
7 – Reclamações flagrantes contra o árbitro assistente.
8 – Integrante do jogo “mandando” o árbitro consultar o assistente.

A argumentação da CBF ainda se apoia naquela estatística de que os jogos estão com mais tempo de bola rolando, média de 55min40s neste Brasileirão, contra 52min27s em 2014, antes de começar a tal “Cruzada pelo Respeito”.  “É importante terminar com alguns mitos que acabam sendo criados e absorvidos pela opinião pública”, afirma o presidente da comissão de arbitragem Sérgio Corrêa. “Claro que jogador pode falar com o árbitro. Não pode é extrapolar”.

Há uma clara contradição entre a declaração de Corrêa e a própria nota oficial que a apresenta. “Extrapolar” é um conceito subjetivo. Requer interpretação. Existem pessoas mais pacientes que outras, com leques diferentes do que é considerado xingamento e agressividade. Mas o que a CBF fez foi tirar do árbitro a autonomia de usar sua própria autoridade para decidir o que é “extrapolar”. Ele, agora, tem que usar a da CBF. Ganhou dela uma lista de situações específicas que não podem ser aceitas “em hipótese alguma”.

O futebol tem 17 regras, mas existe a lenda da “regra 18” – muito, muito pouco utilizada em terras brasileiras. Ela não é regulamentada, não está escrita em lugar nenhum, é apenas o apelido do tão surrado “bom senso”. O regulamento manda que o árbitro adicione, ao final de cada tempo, os minutos que foram gastos. Mas se um time está vencendo, exemplo totalmente aleatório, por 7 a 1, por que dar quatro minutos de acréscimo? Precisa mesmo dar cartão amarelo ao jogador que marca o gol da vitória no último lance e comemora tirando a camisa?

Independente da resposta, são questionamentos que fazem pensar. Pensar é sempre muito bom. E os árbitros brasileiros não têm mais o direito de pensar. Tem mais uma lista de orientações que precisam seguir, além da original, a de regras do futebol, mesmo que isso signifique colocar lenha na fogueira e deixar o jogo mais tenso.

Não importa que o árbitro ache normal o técnico gesticular no banco de reservas, que ele tenha mesmo a intenção de consultar seu assistente, com ou sem uma “ordem” de algum dos jogadores, considere “dedo em riste” um critério meio bobo ou saiba que é impossível falar qualquer coisa em um campo de futebol, entre dezenas de milhares de pessoas, sem gritar: a CBF mandou.

Fonte: Trivela (Uol)