As musas e o machismo

Uma mulher objetificada é sempre entendida como uma mulher sem voz. (Fonte: mopo.de)

Nessa última semana, o futebol goiano ganhou projeção nacional por conta de um episódio lamentável envolvendo o apresentador Beto Brasil e as Musas do Goianão 2018. No programa “Os donos da bola”, transmitido pela TV Goiânia, o referido apresentador recebeu as musas de Vila Nova e Goiás, tratando-as de um modo completamente desrespeitoso, fazendo piadas de teor essencialmente machista e sexista.

Dada a repercussão negativa, as tentativas de reparação do dano conseguiram ser piores do que o próprio ato original. Chegou-se ao absurdo de dizer que a ideia era conscientizar o telespectador sobre o problema do machismo com aquele tipo de situação vexatória. Desse modo, não satisfeito em tratar duas mulheres de um modo absurdo, o apresentador (com o aval de seus produtores) tentou emendar a seguinte justificativa: eu não fui machista, vocês que não entenderam a inteligência dos meus atos.

Evidentemente, esse é um modo rebuscado de tratar o telespectador como idiota e, chegado a esse limite, a própria emissora de televisão resolveu acabar com o programa. A princípio, o desfecho do caso parece resolver o problema. Mas será que resolve mesmo? Será que o problema nasce e morre no comportamento equivocado do Beto Brasil? Ao meu ver, não. E espero que você tenha um pouco paciência para entender a minha opinião.

Na situação acima descrita, podemos tranquilamente dizer que duas mulheres foram tratadas como coisas. Ou seja, elas foram objetificadas. Pode ser que muitos entendam que a objetificação envolva apenas situações de abuso físico e/ou verbal. Contudo, acredito que para se objetificar um sujeito qualquer é necessário primeiramente enxergá-lo como um sujeito sem voz. E, no caso específico, quem retira primeiro a voz daquelas duas mulheres não é o Beto Brasil, mas o próprio concurso de musa.

Uai? Como assim? Simples, meu caro leitor. Basta você pensar o critério que eleva a musa à condição de representante do seu time. Por mais que se façam perguntas e se fale do histórico de cada candidata, o que realmente importa ali são os atributos físicos das concorrentes. Não importa o que elas digam, não importa o grau de comprometimento com o clube. O critério maior da disputa é o atributo físico das mulheres.

Como se não bastasse essa clara inversão de valores, podemos ver que esse critério jamais foi usado quando certos homens são vistos como “torcedores símbolos” de um time. Por acaso alguém aqui já perdeu tempo debatendo os dotes físicos do Beto ou do Divinão? O que importa são os sacrifícios, a história e a fala apaixonada deles sobre o clube. Moral da história: homens que representam seus times são respeitados pelo que dizem, já as mulheres… Ah! O que importa mesmo é o tanto que a musa é linda, né?

Posto isso, podemos ver que a confusão no programa televisivo somente radicaliza uma ideia que já existe desde a concepção do concurso de musa. Ele só externou, de modo ofensivo, uma insignificância que sempre foi reservada à essas musas. Logo, não adianta muito ficar nervoso e estupefato com o que o Beto Brasil fez, sendo que você acha completamente normal uma mulher representar o clube pelo simples fato dela ser muito bonita.

Isso quer dizer que eu seja eu seja contra o atual concurso de musa? Sim. Mas quer dizer que eu seja contra qualquer outra forma de concurso que vise eleger “torcedores símbolo”? Não. Sendo assim, acredito que seria muito sadio e corajoso – principalmente por parte dos clubes e da imprensa – a busca por formas de interação com o torcedor onde a voz venha antes da forma do seu corpo. Afinal, se até o futebol mudou tanto desde sua origem, por que isso também não pode mudar?

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