A torcida do Atlético Clube Goianiense

Por: Horieste Gomes

Muitos são os torcedores dos outros times que disputam o Campeonato Goiano, inclusive do próprio Atlético, que por desconhecer a própria história, afirmam que o Atlético nunca teve e não tem torcida, sendo diminuta quando comparada à do Vila Nova e do Goiás, e mesmo a de times do interior do Estado, a exemplo do Itumbiara e do Anápolis. A grande maioria se pauta pela visão da pouca presença de torcedores atleticanos no Estádio Serra Dourada durante os jogos do Campeonato Estadual, da série B do Brasileirão e de outras disputas nacionais.

Para compreendermos, no presente, o significado da torcida atleticana se comportar assim, temos que retornar à história da criação do Clube, à sua etapa de crescimento e de desenvolvimento, desde o ano de 1937 aos dias atuais. Portanto, são 78 anos de caminhada histórica que vão revelar se o Dragão da Campininha possui, ou não, torcida representativa como propalam torcedores e comentaristas da mídia esportiva.

A primeira reflexão fundamental para a construção do nosso entendimento é a de nos situarmos no tempo e no espaço. E aqui falo na condição de ter sido morador de Campinas, que cresceu e viveu sua infância e maturidade em contato direto com a hospitaleira comunidade do Bairro. Para compreender o surgimento do Atlético e de sua torcida é preciso entender o espírito de vivência comunitária que havia entre as famílias, no sentido de que os moradores se relacionavam entre si, sendo Campinas constituída por pessoas amigas e hospitaleiras que conviviam em harmonia com a vizinhança. Seus membros tinham por hábito salutar frequentar as missas, as novenas e as festas religiosas na Matriz Nossa Senhora da Conceição; passear, aos sábados e domingos na Praça Joaquim Lúcio; as quartas, sábados e domingos assistir aos filmes e seriados no Cine Campinas, depois denominado Cine Tocantins; e ir ao Campo do Atlético – a pé, de bicicleta, a cavalo, até mesmo de carroça – assistir os treinos e os jogos do seu time do coração, atividade de amor, lazer e entretenimento que unia um grande segmento da comunidade da Campininha.

Quando o Atlético Clube Goianiense, que se fez representar por Edson Hermano e Antonio Accioly, em 1942, recebeu das mãos do Dr. Pedro Ludovico Teixeira, Interventor do Estado de Goiás, a doação de um terreno de 18.000 metros quadrados destinado à construção do futuro estádio atleticano, sua Diretoria assumiu honrar o termo de responsabilidade de que manteria a finalidade da doação: “de ser uma praça esportiva destinada ao desenvolvimento do esporte em Goiânia e Goiás”,  finalidade esta, que fez do campo do Atlético, batizado em 14 de setembro de 1947, com o nome de Estádio Antonio Accioly, um patrimônio cultural de todos os goianos.  Tempos depois, a superfície do estádio foi ampliada para 30.000 m2.

Para entendermos nos dias de hoje a conduta que movia os moradores de Campinas em direção ao Campo do Atlético se faz necessário que os torcedores goianienses do Atlético e das demais agremiações esportivas compreendam a profunda e legítima interação que existia entre a comunidade e o estádio, local de preferência obrigatória dos que curtiam o futebol e amavam o seu time. Quem viveu naquela época a caminhada histórica do Atlético Clube Goianiense, desde a sua criação em 2 de abril de 1937 aos dias atuais, sabe perfeitamente como foi significativo o papel exercido pela torcida atleticana ao interagir, em todos os momentos possíveis, nos treinos, nos jogos, nas vitórias e nas derrotas, com os seus jogadores incentivando-os e despertando neles o “espírito de campinidade”, isto é, de identidade recíproca.

Se, no passado, a torcida atleticana constituída por um número expressivo de torcedores – foi a maior do Estado por mais de três décadas – sempre marcou presença efetiva no Accioly, assim como no Olímpico (Estádio Pedro Ludovico Teixeira), e depois no Serra Dourada, e, se na atualidade comparece em número pouco expressivo no Serra Dourada, as causas  são diversas. Vejamos as principais causas e contextos históricos que geraram mudanças e impactaram sobre a torcida atleticana:

 

  •  Goiânia ao ser fundada, por ser uma capital moderna, emergente no Planalto Central, que correspondia à política de planejamento da ”Marcha Para o Oeste”, idealizada pelo Governo Vargas, tornou-se um centro de polarização para milhares de brasileiros vindos de diferentes regiões do Brasil, a exemplo dos estados do Nordeste, da Bahia, de Minas Gerais, de São Paulo, além da vinda de imigrantes de outros países. O aumento explosivo da população, aliado à propaganda oficial que projetava a cidade de Goiânia, no Estado de Goiás e no Brasil, como a capital da esperança, determinou a necessidade de criação de times de futebol como forma de lazer e divertimento para a população trabalhadora crescente. Neste contexto, Atlético e Goiânia, entidades esportivas criadas em 1937 e 1938, lideravam em número de torcedores, durante as partidas. Vila e Goiás, fundados em 1943, começaram a atrair torcedores somente duas décadas depois.

 

  • Campinas, por concentrar a grande maioria da população residente no município da então jovem Goiânia, passa a ser a “mãe generosa”, provedora de quase tudo o que a Nova Capital necessitava para atender o seu ritmo acelerado de construção, aliado ao crescente fluxo populacional, tanto de mão-de-obra operária, como de prestadores de serviços básicos e especializados de diferentescategorias profissionais, exemplificando com a área da saúde, da educação, da construção civil, etc. Já naquela época Campinas concentrava uma população “residente” exercendo um comércio, varejista e atacadista, bastante ativo. Com o passar dos anos, à medida que Goiânia se expandia, o Bairro foi perdendo a sua função residencial. Em contrapartida, o seu comércio foi crescendo, a ponto de se tornar, há décadas, o maior centro de atividade comercial de Goiânia e do Estado de Goiás, gerando mais de 50.000 empregos e a maior renda para o município. Pelo lado negativo, deu origem a um trânsito caótico que toma conta de todas as ruas e avenidas. O espaço residencial foi sendo engolido pelo espaço comercial, e os campineiros-atleticanos que residiam no coração da Campininha, em sua grande maioria, tiveram como única opção se mudar para a Grande Goiânia e outras cidades do interior do Estado.

 

  • Há que se ter em conta a expansão crescente de Goiânia, principalmente após os anos 50-60, quando tanto a Prefeitura quanto o Estado vão perdendo o controle do planejamento urbano original elaborado por Atílio Correia Lima, posteriormente ampliado por Armando Augusto de Godoy, cedendo espaço à especulação imobiliária que procura manter áreas ociosas no centro, para usufruir da posterior valorização, enquanto expande, horizontalmente, para a periferia, a malha urbana do município. Nas décadas seguintes, embora haja políticas públicas – municipal e estadual – elaborando leis, planejamentos técnicos, programas e projetos, como o I Plano de Desenvolvimento Integrado de Goiânia, em 1971; a criação do Escritório de Planejamento (EP), em 1969, transformado em autarquia, em 1975, denominada Instituto do Planejamento (IPLAN), e tantas outras iniciativas de legislação reguladora, o poder público não consegue deter o avanço do uso do solo imposto pelas  imobiliárias. Em consequência, surge uma maratona de novos loteamentos, inclusive clandestinos, lançados pela iniciativa privada, assim como expande o crescimento verticalizado iniciado de 1959 à 1975, que oferece novas moradias à crescente população da Grande Goiânia. O impedimento legal de construção de prédios na área central da Campininha, reduziu a possibilidade de ampliar o seu espaço habitacional, sendo uma das razões que determinou o “cisma” de moradores-campineiros para residirem em locais mais distantes, consequentemente, de muitos torcedores atleticanos.

 

  • A política de privilégios em relação a alguns clubes goianos em detrimento de outros. No início do processo de afirmação e crescimento do futebol goiano, a política de privilégios efetuada pelo próprio Governo do Estado recaiu sobre o Goiânia Esporte Clube, criado em 1938, e que passou a ser chamado de clube “Chapa Branca”. O Governo contemplava determinados jogadores do Goiânia com emprego público, usufruto da mordomia do Grande Hotel, entre outras regalias. Posteriormente, ao mesmo tempo em que o Goiás Esporte Clube se estruturava, a partir de Hailé Pinheiro, em 1966, e cinco anos depois, em 1971/72, com João Martins e Luís Melchior Duarte e a conquista de um bi-campeonato goiano, ocorria uma intervenção da Ditadura Militar, do Governo Geisel, na Confederação Brasileira de Desportos-CBD (atual CBF). A ditadura queria usar o futebol para impor a imagem de um “Brasil Grande”, inclusive no esporte, o que levou o historiador Joel Rufino dos Santos a afirmar que “na CBD, até papagaio bate continência”. O Goiás então cresce devido às ótimas relações de seus dirigentes com o Governo da Ditadura, e ganha as benesses da CBD que o convida para disputar o Campeonato Brasileiro, e, chega aos dias de hoje, na condição de ser o time de maiores conquistas no Campeonato Goiano.

 

  • O papel da televisão – com a chegada da TV e seu monopólio de controle das partidas por empresas operadoras, inclusive com horários noturnos inadequados, faz com que centenas e até milhares de torcedores, não só do Atlético, assim como dos demais times da capital, deixem de comparecer ao estádio Serra Dourada. O torcedor atleticano hoje disperso na Grande Goiânia, jamais deixou de ser fiel ao seu time  do coração, mas, diante das dificuldades concretas existentes, a começar pela questão do trabalho no dia seguinte, horários de jogos, aliado a questão do deslocamento via transporte público em período noturno, faz com que sejam muitos os que não comparecem ao Estádio Serra Dourada. Há também, aqueles que com a idade avançada, assistem aos jogos pela TV, o que é normal tal conduta. Também, não se pode ignorar a existência de certo número de torcedores acomodados, diante da transmissão televisionada e suas comodidades.

 

  • Situações críticas vividas pelo Dragão da Campininha – como já é do conhecimento da grande totalidade de torcedores atleticanos, em sua caminhada histórica o Atlético viveu momentos que colocaram em risco sua condição de permanência e de continuidade. O mais grave de todos, foi o abandono do seu estádio, Antonio Accioly, a ponto de virar sucata, fato este que aconteceu nas gestões dos presidentes Ailton Franklin Gonçalves, vulgo Bela Vista (1999 a 2000), e de Alencar Júnior (2000 a 2002), dando sequência ao rebaixamento do clube em 2003. Em 2005 o Dragão renasce sob a administração de Wilson Carlos, Valdivino  José de Oliveira, José Martins de Souza (Zenha), e de outros membros da Diretoria e do Conselho, além da ajuda de amigos atleticanos, momento em que é reinaugurado o Estádio Antônio Accioly com a presença de um público de quase 7 mil torcedores.

 

  • Outro fator a ser analisado é bastante recente (2015), foi o descaso da atual Diretoria, que insistia em manter o estádio do Atlético ocioso, sob a alegação de que o clube se encontra endividado, apontando como única solução para saldar a dívida, contraída nas administrações passadas, a opção pela venda do Antonio Accioly. Ainda bem que um grupo de afeiçoados atleticanos se posicionou contra tal pretensão. Atualmente o estádio Antônio Accioly está em processo de reformas. A previsão que se tem é de se manter ali os jogos das categorias de base, e mandar jogos da equipe profissional no Campeonato Goiano de 2017, com o estádio recuperado e suas arquibancadas ampliadas. Em janeiro de 2016, tivemos a refutação concreta aos pessimistas, que taxavam o Atlético Clube Goianiense como um time sem torcida, sem futuro, quando foi realizado um jogo amistoso com o Gama-DF, o primeiro jogo da equipe profissional após o ano de 2010, período em que o Estádio Antônio Accioly ficou praticamente em banho-maria. O historiador e blogueiro do site Dragão Goiano, Paulo Winicius Maskote, em brilhante texto intitulado, “Accioly voltou! Nunca duvidem da torcida atleticana”, narra o acontecimento:

 

“ estiveram presentes mais de 2.350 pessoas (estes foram só os ingressos vendidos, fora as pessoas que entraram quando abriram os portões no segundo tempo). […] A força do Dragão em sua casa podia ser vista na imagem dos senhores andando com muita dificuldade, de bengala, pessoas de cadeiras de rodas, gente que tinha vindo de Aragoiânia, Trindade, Goianira, famílias inteiras em êxtase com a volta do Atlético para sua casa após seis anos, afinal, no Accioly o povo vai de todo jeito. Desde 2010 não tínhamos sequer um amistoso no Accioly” (Maskote, P. W. 20 de janeiro de 2016).

Concluindo, Vila Nova e Goiás, por possuírem estádios próprios e em condições de disputa do Campeonato Goiano, levam os jogos para as suas casas, respectivamente para o OBA e para o Serrinha. A Diretoria do Atlético tem que fazer o mesmo, arrumar a sua casa para que a sua torcida retorne às suas origens. Pelo seu histórico, no Estádio Antonio Accioly, sua torcida sempre esteve presente, de forma representativa e transparente, justamente por ser a Campininha o seu berço de origem. Se, hoje a torcida do Atlético se encontra dispersa na região da Grande Goiânia, não significa que ela não exista. O torcedor do Atlético onde estiver, seja em Goiânia, em Goiás ou noutro estado da federação, em país estrangeiro, jamais, em momento algum, deixa de ser atleticano, sendo sempre fiel ao seu Clube, ao seu time e suas cores.

Muitos são os exemplos da presença marcante de torcida atleticana no Serra Dourada, contra o Goiás ou o Vila, por exemplo, ou, em jogos do Brasileirão como aconteceu contra o Flamengo, o São Paulo, o Atlético Mineiro, o Palmeiras, o Vasco, Guaratinguetá, e outros times  das Séries A e B. O torcedor atleticano é fiel, mesmo sob tantas condições historicamente adversas às quais analisamos ele se fez presente. O que o torcedor atleticano precisa é só de ser cativado, e sempre respeitado, e a volta do Estádio Antônio Accioly será um grande passo nesse sentido.

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Horieste Gomes, é Historiador e Geógrafo, torcedor do Atlético Clube Goianiense, historiador e autor dos livros “A saga do Atlético Goianiense” (2015);  Reminiscências da Campininha (2012) e Lembranças da Terrinha – Campininha (2002)

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